quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Inquietude

Sou voraz não me apego
ao abrigo da alma

Sou o corpo o incêndio
só o fogo
me acalma

Maria Teresa Horta, Inquietude - Poesia Reunida

“Cantiga partindo-se”

“Cantiga partindo-se”

SENHORA, partem tantos tristes
meus olhos por vós, meu bem
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d`esperar bem,
que nunca tam tristes vistes

JOÃO ROIZ DE CASTELO BRANCO (séc. XV) –

outros nenhuns por ninguém.

sábado, 28 de março de 2009

Aqueles que me têm muito amor

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a
Dor À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

Florbela Espanca

domingo, 15 de março de 2009

Eugénio de Andrade

Pequena elegia chamada domingo

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens. Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios ...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.
Eugénio de Andrade

domingo, 8 de março de 2009

David Mourão-Ferreira

Tão regaço estas arcadas
Tão de brinquedo os eléctricos
Vejo a cidade parada
no ano de vinte e sete
Dela por vezes me evado
mas sempre a ela regresso
Bem sei eu que não desato
o cordão com que me aperta
Vejo seus gestos de grávida
medidos cautos imersos
nessa jovem gravidade
que só grávidas conhecem
Que frescor de madrugada
no terror com que me espera
Mães têm sempre a idade
que em sonho os filhos decretam
Recordo melhor a data
Até mesmo a atmosfera
É o dia vinte e quatro
de um mês a tremer de febre
com armas grades e o rasto
de um sangue que nunca seca
Só seis decénios passaram
rápidos como seis séculos
Tão pouco Mas nelas cabem
cidade arcadas eléctricos
nesta imensa claridade
irmã gémea do mistério
.
.
David Mourão-Ferreira

Florbela Espanca

A Mulher

Ó mulher! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!

Quantas morreram saudosas duma imagem
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de amor e sofrimento!

Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!

Uma saudação a todas as mulheres do Mundo relembrando Florbela Espanca! 8-03-2009
À DESCOBERTA DO AMOR

Ensaia um sorriso
e oferece-o a quem não teve nenhum.

Agarra um raio de sol
e desprende-o onde houver noite.

Descobre uma nascente
e nela limpa quem vive na lama.

Toma uma lágrima
e pousa-a em quem nunca chorou.

Ganha coragem
e dá-a a quem não sabe lutar.

Inventa a vida
e conta-a a quem nada compreende.

Enche-te de esperança
e vive à sua luz.

Enriquece-te de bondade

e oferece-a a quem não sabe dar.

Vive com amor
e fá-lo conhecer ao Mundo.

Desconhecido.
8 de Março 2009

sábado, 28 de fevereiro de 2009