domingo, 13 de janeiro de 2013

domingo, 24 de julho de 2011

Já não me importo

Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.

E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz.

Fernando Pessoa

domingo, 20 de junho de 2010

Aprendamos o rito

1922-2910


Aprendamos o rito

Põe na mesa a toalha adamascada,
Traz as rosas mais frescas do jardim,
Deita o vinho no copo, corta o pão,
Com a faca de prata e de marfim.

Alguém se veio sentar à tua mesa,
Alguém a quem não vês, mas que pressentes.
Cruza as mãos no regaço, não perguntes :
Nas perguntas que fazes é que mentes.

Prova depois o vinho, come o pão,
Rasga a palma da mão no caule agudo,
Leva as rosas à fronte, cobre os olhos,
Cumpriste o ritual e sabes tudo.

José Saramago

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Inquietude

Sou voraz não me apego
ao abrigo da alma

Sou o corpo o incêndio
só o fogo
me acalma

Maria Teresa Horta, Inquietude - Poesia Reunida

“Cantiga partindo-se”

“Cantiga partindo-se”

SENHORA, partem tantos tristes
meus olhos por vós, meu bem
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d`esperar bem,
que nunca tam tristes vistes

JOÃO ROIZ DE CASTELO BRANCO (séc. XV) –

outros nenhuns por ninguém.

sábado, 28 de março de 2009

Aqueles que me têm muito amor

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a
Dor À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

Florbela Espanca

domingo, 15 de março de 2009

Eugénio de Andrade

Pequena elegia chamada domingo

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens. Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios ...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.
Eugénio de Andrade